Primeiro contato com alienígenas pode facilmente terminar em genocídio, alertam cientistas

O SETI tem procurado por evidências de vida alienígena – mas isso poderia terminar em desastre?

Estamos apenas na metade de 2023 e já parece o ano do contato alienígena.

Em fevereiro, o presidente Joe Biden deu ordens para abater três fenômenos aéreos não identificados – o título da NASA para OVNIs. Em seguida, a alegada filmagem vazada de um piloto da Marinha de um OVNI e, em seguida, notícias do relatório de um denunciante sobre um possível encobrimento do governo dos EUA sobre a pesquisa de OVNIs. 

Mais recentemente, uma análise independente publicada em junho sugere que os OVNIs podem ter sido coletados por uma agência clandestina do governo dos Estados Unidos.

Se qualquer evidência real de vida extraterrestre surgir, seja do testemunho de um denunciante ou da admissão de um encobrimento, os humanos enfrentariam uma mudança histórica de paradigma.

Como membros de um grupo de trabalho de estudos indígenas que foi solicitado a emprestar nossa experiência disciplinar a um workshop afiliado ao Berkeley SETI Research Center, estudamos séculos de contatos culturais e seus resultados em todo o mundo. Nossas preparações colaborativas para o workshop foram baseadas em pesquisas transdisciplinares na Austrália, Nova Zelândia, África e nas Américas.

Em sua forma final, nossa declaração de grupo ilustrou a necessidade de diversas perspectivas sobre a ética de ouvir a vida alienígena e uma ampliação do que define “inteligência” e “vida”. Com base em nossas descobertas, consideramos o primeiro contato menos como um evento e mais como um longo processo que já começou.

Quem fará o primeiro contato

A questão de quem está “encarregado” de se preparar para o contato com a vida alienígena imediatamente vem à mente. As comunidades – e suas lentes interpretativas – com maior probabilidade de se envolver em qualquer cenário de contato seriam militares, corporativas e científicas.

Ao dar aos americanos o direito legal de lucrar com o turismo espacial e a extração de recursos planetários, a Lei de Competitividade de Lançamento Comercial do Espaço de 2015 pode significar que as corporações serão as primeiras a encontrar sinais de sociedades extraterrestres. 

Caso contrário, enquanto a detecção de fenômenos aéreos não identificados é geralmente um assunto militar, e a NASA assume a liderança no envio de mensagens da Terra, a maioria das atividades em torno de comunicações extraterrestres e evidências recai sobre um programa chamado SETI, ou a busca por inteligência extraterrestre.

O SETI é uma coleção de cientistas com uma variedade de empreendimentos de pesquisa, incluindo o Breakthrough Listen, que escuta “assinaturas tecnológicas” ou marcadores, como poluentes, de uma tecnologia projetada.

Os investigadores do SETI são quase sempre estudiosos de STEM – ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Poucos nos campos das ciências sociais e humanas tiveram oportunidades de contribuir com conceitos e preparativos para contato.

Em um ato promissor de inclusão disciplinar, o Berkeley SETI Research Center em 2018 convidou grupos de trabalho – incluindo nosso grupo de trabalho de estudos indígenas – de fora dos campos STEM para elaborar documentos de perspectiva para os cientistas do SETI considerarem.

Ética da escuta

Nem o Breakthough Listen nem o site do SETI apresentam uma declaração de ética atual além de um compromisso com a transparência. Nosso grupo de trabalho não foi o primeiro a levantar essa questão. 

E embora o Instituto SETI e alguns centros de pesquisa tenham incluído a ética em sua programação de eventos, parece relevante perguntar a quem a NASA e o SETI respondem e quais diretrizes éticas estão seguindo para um possível cenário de primeiro contato.

O Centro de Pós-Detecção do SETI – outra rara exceção ao STEM-centrismo do SETI – parece ser o mais provável para desenvolver uma variedade de cenários de contato. 

As possíveis circunstâncias imaginadas incluem encontrar artefatos ET, detectar sinais de milhares de anos-luz de distância, lidar com incompatibilidade linguística, encontrar organismos microbianos no espaço ou em outros planetas e contaminação biológica de sua espécie ou de nossa. Se o governo dos EUA ou os chefes das forças armadas atenderiam a esses cenários é outra questão.

Estudiosos afiliados ao SETI tendem a tranquilizar os críticos de que as intenções daqueles que ouvem as assinaturas tecnológicas são benevolentes, já que “que mal pode advir de simplesmente ouvir?” A presidente emérita da Pesquisa SETI, Jill Tarter, defendeu a escuta porque qualquer civilização ET perceberia nossas técnicas de escuta como imaturas ou elementares.

Mas nosso grupo de trabalho baseou-se na história dos contatos coloniais para mostrar os perigos de pensar que civilizações inteiras são comparativamente avançadas ou inteligentes. Por exemplo, quando Cristóvão Colombo e outros exploradores europeus chegaram às Américas, essas relações foram moldadas pela noção preconcebida de que os “índios” eram menos avançados devido à falta de escrita. Isso levou a décadas de servidão indígena nas Américas.

Esta gravura do século XVI mostra o desembarque de Cristóvão Colombo nas Américas. Colombo e seus exploradores consideraram os indígenas de lá como ‘primitivos’, pois não tinham sistema de escrita.(Crédito da imagem: Theodor de Bry/Wikimedia Commons)

A declaração do grupo de trabalho também sugeriu que o próprio ato de ouvir já está em uma “fase de contato”. Como o próprio colonialismo, o contato pode ser melhor pensado como uma série de eventos que começa com o planejamento, em vez de um evento singular. 

Visto dessa maneira, ouvir potencialmente sem permissão não é apenas outra forma de vigilância? Ouvir atentamente, mas indiscriminadamente, parecia ao nosso grupo de trabalho uma espécie de espionagem.

Parece contraditório que comecemos nossas relações com alienígenas ouvindo sem sua permissão enquanto trabalhamos ativamente para impedir que outros países ouçam certas comunicações dos EUA. Se os humanos são inicialmente percebidos como desrespeitosos ou descuidados, o contato com ETs pode levar à colonização de nós.

Histórias de contato

Ao longo das histórias da colonização ocidental, mesmo nos poucos casos em que os contatados deveriam ser protegidos, o contato levou a violência brutal, pandemias, escravidão e genocídio.

A viagem de James Cook em 1768 no HMS Endeavour foi iniciada pela Royal Society . Esta prestigiosa sociedade acadêmica britânica encarregou-o de calcular a distância solar entre a Terra e o Sol, medindo o movimento visível de Vênus através do Sol a partir do Taiti. A sociedade proibiu-o estritamente de quaisquer compromissos coloniais.

Embora tenha alcançado seus objetivos científicos, Cook também recebeu ordens da Coroa para mapear e reivindicar o máximo de território possível na viagem de volta. As ações de Cook colocaram em movimento a colonização em larga escala e a expropriação indígena em toda a Oceania, incluindo as violentas conquistas da Austrália e da Nova Zelândia .

Em 1768, a viagem do capitão britânico James Cook (centro) colocou em movimento a colonização em larga escala e a expropriação indígena em toda a Oceania.(Crédito da imagem: John Hamilton Mortimer via Biblioteca Nacional da Austrália)

A Royal Society deu a Cook uma “diretriz principal” de não causar danos e apenas conduzir pesquisas que beneficiassem amplamente a humanidade. No entanto, os exploradores raramente são independentes de seus financiadores e suas explorações refletem os contextos políticos de seu tempo.

Como estudiosos sintonizados com a ética de pesquisa e as histórias do colonialismo, escrevemos sobre Cook em nossa declaração de grupo de trabalho para mostrar por que o SETI pode querer separar explicitamente suas intenções das de corporações, militares e do governo.

Embora separados por um vasto tempo e espaço, tanto a viagem de Cook quanto o SETI compartilham qualidades-chave, incluindo seu apelo à ciência celestial a serviço de toda a humanidade. Eles também compartilham uma incompatibilidade entre seus protocolos éticos e os prováveis impactos de longo prazo de seu sucesso.

O dominó inicial de uma mensagem ET pública, ou corpos ou naves recuperados, poderia iniciar eventos em cascata, incluindo ações militares, mineração de recursos corporativos e talvez até reorganização geopolítica.

 A história do imperialismo e do colonialismo na Terra ilustra que nem todos se beneficiam da colonização. Ninguém pode saber ao certo como seria o envolvimento com extraterrestres, embora seja melhor considerar os contos de advertência da própria história da Terra mais cedo ou mais tarde.

Fonte: Livescience