Parece que a atual onda de avistamentos de objetos alongados de tonalidade azulada sobre o Brasil nos pregou uma peça. Diversos avistamentos desses objetos foram relatados e registrados durante o mês de dezembro do ano passado, e continuam ocorrendo neste mês de janeiro. Noticiei aqui no blog.
Mas o que verdadeiramente parecia mostrar belíssimos OVNIs “charutos” azuis nos céus, na verdade, não passou de uma série de naves humanas e bem conhecidas.
Sim, de modo geral, as filmagens padronizadas desses objetos, que viralizaram nas redes sociais, na verdade não passaram de um equívoco.
Alguns fatores e a necessária ausência de cautela levaram a comunidade UFO no Brasil a se equivocar e identificar erroneamente satélites Starlink como OVNIs cilíndricos. Pasmem, mas trata-se disso mesmo.
As várias filmagens que estamos vendo desses objetos sobrevoando várias regiões do Brasil não passam de satélites do Elon Musk. Talvez nem todas elas, pois alguma pode ter registrado um OVNI, mas essas com um padrão cilíndrico azul tratam-se de satélites da SpaceX.
Os satélites Starlink, desenvolvidos pela SpaceX, são colocados em órbitas baixas da Terra (LEO, Low Earth Orbit) para fornecer internet de alta velocidade e baixa latência em todo o mundo. Eles operam em altitudes que variam entre 340 km e 1.200 km, com a maioria posicionada em torno de 550 km. Essa altitude permite tempos de comunicação rápidos e menor latência em comparação com satélites em órbitas mais altas.
Os satélites têm diferentes inclinações orbitais, dependendo do lote e da missão. Alguns exemplos: 53,0° : Órbitas amplamente usadas para cobrir regiões temperadas e tropicais. 70,0° a 97,6°: Inclinações mais altas para cobertura polar e global. A constelação Starlink consiste em milhares de satélites divididos em camadas orbitais. A SpaceX planeja posicionar até 42.000 satélites no futuro.
Trem de satélite Starlink deslumbra ao ascender sobre os Alpes Suíços – 28 de agosto de 2024.
Starlink satellite train dazzles as it soars over the Swiss Alps – August 28, 2024. pic.twitter.com/YeShTBgH45
— Ovniologia 🛸 (@Ovniologia01) January 8, 2025
Um ‘trenzinho’ que vem confundido
Desde 2019, quando a SpaceX lançou os primeiros satélites da constelação Starlink, longos trens de luz no céu têm intrigado observadores em todo o mundo. Esses alinhamentos, formados por satélites recém-lançados em órbitas baixas, muitas vezes são confundidos com OVNIs devido à sua aparência inusitada e movimentos organizados. As redes sociais são frequentemente inundadas por relatos de avistamentos erroneamente identificados.
Além da confusão pública, os satélites Starlink representam um grande desafio para a astronomia. Os astrônomos têm expressado preocupações sobre o impacto na observação do céu noturno, já que os satélites refletem a luz solar e aparecem como rastros brilhantes em telescópios. Isso prejudica imagens astronômicas e dificulta estudos científicos, como o monitoramento de asteroides e a observação de galáxias distantes.
Embora a SpaceX tenha implementado medidas para reduzir a refletividade dos satélites, como revestimentos escuros e design otimizado, os problemas persistem devido ao grande número de dispositivos já em órbita.
Eles sobrevoaram o Brasil em dezembro e janeiro
Nos meses de dezembro de 2024 e janeiro de 2025, a SpaceX realizou diversos lançamentos (veja a lista) de satélites Starlink, expandindo sua constelação para fornecer internet de alta velocidade globalmente, com satélites sobrevoando o Brasil.
4 de dezembro de 2024: A missão Starlink Group 6-70 colocou 24 satélites em órbita, partindo do Complexo de Lançamento Espacial 40, em Cabo Canaveral. Horário: 04:18 (horário de Brasília).
8 de dezembro de 2024: A missão Starlink Group 12-5 lançou 23 satélites, também a partir de Cabo Canaveral. Horário: 05:54 (horário de Brasília).
13 de dezembro de 2024: A missão Starlink Group 11-2 enviou 22 satélites ao espaço, partindo da Base da Força Espacial de Vandenberg, na Califórnia. Horário: 02:52 (horário de Brasília).
23 de dezembro de 2024: A missão Starlink Group 12-2 colocou 21 satélites em órbita, lançados do Centro Espacial Kennedy, na Flórida. Horário: 06:15 (horário de Brasília).
31 de dezembro de 2024: A missão Starlink Group 12-6 lançou 21 satélites, partindo do Centro Espacial Kennedy. Horário: 08:12 (horário de Brasília).
6 de janeiro de 2025: A missão Starlink Group 6-71 enviou 24 satélites à órbita terrestre baixa, partindo de Cabo Canaveral. Horário: 04:25 (horário de Brasília).
8 de janeiro de 2025: A missão Starlink Group 12-11 lançou 21 satélites, incluindo 13 com capacidade “Direct to Cell”, permitindo conexão direta com dispositivos móveis. O lançamento ocorreu a partir do Centro Espacial Kennedy. Horário: 06:11 (horário de Brasília).
Usando sites e aplicativos como o Satflare e o Heavens-Above, qualquer pessoa pode rastrear a órbita desses satélites. Ao fazer isso, descobrimos que eles sobrevoaram o Brasil em dias e horários que coincidem com os avistamentos dos “OVNIs cilíndricos”. Vejam dois exemplos exemplos:
Relatos e registros
Agora, observem esses relatos, que foram seguidos de registros em vídeo:
No começo de dezembro de 2024: Relato registrado em Madureira, Rio de Janeiro, por volta de 04 horas da manhã. O morador observou uma nave cilíndrica passando no céu com uma coloração azulada. Dois dias depois, por volta das 02 horas, o mesmo objeto foi avistado na mesma direção, mas não foi registrado.
No dia 08 de dezembro de 2024: Em Pedreira, São Paulo, o objeto cilíndrico foi registrado às 04:08 da madrugada. O morador fez o vídeo mostrando claramente a nave em movimento.
No dia 31 de dezembro de 2024: Relato registrado por um morador de São Paulo Capital por volta das 04:30 da madrugada. O relato descreve dois objetos, sendo um cilindrico com luzes azuis e brancas, e o outro uma bola luminosa rodeada por um tipo de gás que aumentava aos poucos.
No dia 06 de janeiro de 2025: Às 19:39, em Niterói, Rio de Janeiro, uma mulher fez um vídeo junto com seu marido mostrando uma nave cilíndrica e orbes. O relato descreve a nave maior com uma menor aparentemente escoltando a maior, além de outras menores piscando.
Também na mesma data, às 19:38, uma testemunha registrou o mesmo modelo de nave cilíndrica em Amparo, Jardim Itália, São Paulo. A nave registrada é semelhante à observada em Niterói, Rio de Janeiro, na noite anterior.
Esses registros e alguns outros vocês podem conferir nesta conta no Twitter.
Percebam que os dias coincidem, inclusive alguns horários, e embora a diferenciação de outros horários possa gerar dúvidas, isso não descarta nem um pouco os Starlinks. Isso porque, após o lançamento, os satélites continuam em órbita e podem passar por cima do Brasil em outros momentos, dependendo da trajetória e da órbita em que foram colocados.
Satélites em órbita baixa da Terra (LEO), como os da missão Starlink, viajam a uma velocidade média de cerca de 28.000 km/h. Essa velocidade é suficiente para que completem uma órbita ao redor da Terra em aproximadamente 90 a 100 minutos, o que significa que dão uma volta ao redor do planeta cerca de 16 vezes por dia.
Portanto, mesmo que o lançamento tenha ocorrido de manhã, o satélite pode já ter dado várias voltas ao redor da Terra ao longo do dia e, dependendo do seu horário de passagem, pode ser visível em horários diferentes.
Observem também que uma grande incidência de avistamentos ocorreu já no final da madrugada e início da manhã. Isso acontece porque os satélites artificiais são mais facilmente visíveis no início da manhã e no início da noite devido à posição relativa entre o Sol, a Terra e os próprios satélites. Nesses períodos, o observador está em uma região de escuridão ou penumbra na superfície terrestre, enquanto os satélites, orbitando a centenas de quilômetros de altitude, ainda são iluminados pela luz solar.
A Estação Espacial Internacional (ISS), por exemplo, é frequentemente observada nessas condições.
Então, sabemos que lançamentos ocorreram durante o mês de dezembro e início de janeiro. Sabemos que eles passaram sobre o Brasil, conforme dados de órbita, e sabemos os horários. Sabemos que os avistamentos e registros coincidem. Agora, surge a parte mais questionável: por que o formato cilíndrico, a cor azul e os “orbes”?
Entenda o formato alongado, a cor azulada e os ‘Orbes’
Embora, quando falamos de fotografias e vídeos dos Starlinks, a primeira imagem que nos venha à mente seja a do trenzinho de satélites cruzando o céu, esse fenômeno não representa a etapa inicial do lançamento.
O que poucos sabem é que, durante o lançamento, todos os satélites de uma missão Starlink são liberados juntos, em um único pacote, de dentro do foguete Falcon 9. Após serem ejetados para a órbita inicial, eles começam a se separar gradualmente.
É nesse estágio que o “trem” surge e vai desaparecendo aos poucos, enquanto os satélites se distribuem de forma uniforme ao redor do planeta, formando a constelação que fornece o serviço de internet da SpaceX.
Portanto, os Starlinks são lançados todos agrupados e, só depois, começam a se distanciar gradualmente até formar o famoso trenzinho. Só a partir daí seguem seus destinos específicos.
Esse é o motivo pelo qual, nas filmagens espalhadas nas redes sociais dos avistamentos ocorridos aqui no Brasil, parece que estamos observando uma espécie de nave alongada.
Mas e a coloração azul?
Bem, como citado mais acima na matéria, astrônomos de todo o mundo têm questionado a poluição visual que os Starlinks estão causando para a observação astronômica.
O problema de ter tantos satélites em órbita é que eles capturam e refletem a luz do Sol, dependendo do seu padrão orbital. Os satélites Starlink foram projetados para operar em uma órbita baixa da Terra de menos de 600 km, para reduzir detritos espaciais e fornecer um melhor sinal de internet. Por causa de sua órbita baixa, os satélites geralmente estão em uma configuração específica, conhecida como “livro aberto”, que ajuda a reduzir o arrasto atmosférico. No entanto, essa configuração também reflete a maior parte da luz, tornando os satélites incrivelmente luminosos (eles são visíveis a olho nu).
Desde que a SpaceX começou a lançar satélites Starlink em 2019, os astrônomos inicialmente notaram listras vermelhas brilhantes no céu. No entanto, com o tempo, esses satélites passaram a ser observados com uma coloração azulada. A mudança para o azul é atribuída ao uso de novos materiais pela SpaceX, incluindo uma camada dielétrica aplicada para reduzir o brilho dos satélites e minimizar a interferência nas observações astronômicas. Essa camada reflete a luz solar de maneira diferente, resultando na percepção de uma tonalidade azul.
Esses satélites azuis fazem parte dos novos satélites “Direct-to-Cell” (DTC) da SpaceX, projetados para funcionar como “torres de celular no espaço”. O primeiro lote de satélites DTC foi lançado em janeiro de 2024.
A cor azul dos satélites pode variar dependendo do ângulo de observação e das condições atmosféricas locais. Alguns observadores descreveram a tonalidade como “azul gelado”
E os ‘Orbes’?
Em alguns relatos, como os citados na matéria e observados em imagens, é possível notar um “ponto luminoso” ou até mais de um. Esses pontos muitas vezes são atribuídos a possíveis orbes. No entanto, trata-se de algo bem mais prosaico.
O fenômeno ocorre devido ao processo de lançamento do foguete Falcon 9 da SpaceX. Após o lançamento, o primeiro estágio do foguete (estágio principal) se separa do segundo estágio, que continua a levar os satélites à órbita.
Também, durante esse processo, as hastes de tensão, que mantêm a pilha de satélites unida, são liberadas.
Além disso, os satélites Starlink, antes de serem ativados, permanecem protegidos por uma estrutura semelhante a “casulos” que os envolvem, garantindo sua segurança até que atinjam a órbita planejada.
Quando os estágios se separam, as hastes de tensão e os casulos são liberados, dependendo das condições atmosféricas e de iluminação, esses elementos podem refletir a luz solar. Isso cria o efeito de pontos de luz ou “orbes” que podem ser vistos próximos ou se afastando dos satélites Starlink.
Em junho do ano passado, um episódio quase que idêntico aos que estão ocorrendo no Brasil aconteceu também nas Ilhas Maltesas, em Malta. Um lançamento da Starlink deixou várias testemunhas maltesas espantadas.
Observem que, neste exemplo de Malta, uma “névoa” se destaca próxima ao Starlink, algo que também foi testemunhado aqui no Brasil, como apresentado em um exemplo de relato acima na matéria.
As névoas visíveis resultam principalmente da condensação do vapor d’água presente nos gases de exaustão. Essa formação está diretamente ligada ao estágio do foguete
A comunidade astronômica do Brasil sabe que esses avistamentos no Brasil se tratam de satélites Starlink.
Na noite de segunda-feira, 6 de janeiro de 2025, moradores da região sul do Brasil ficaram surpresos ao ver um dos tais “OVNIs cilíndricos”.
Acontece que se tratava do grupo G6-71 de satélites Starlink, recém-lançado pela SpaceX. O evento aconteceu pouco após as 21h (horário local), em Santa Maria (RS), onde o Observatório do Bate-Papo Astronômico registrou o momento com precisão.
Veja o vídeo abaixo:
A ufologia é um campo repleto de erros e acertos, e cada erro se torna uma oportunidade de aprendizado. Pesquisar sobre fenômenos ufológicos significa seguir as evidências até onde elas levarem, independentemente de onde isso nos conduza.
No contexto dos recentes episódios ocorridos no Brasil, embora não seja possível afirmar com certeza absoluta que toda e qualquer filmagem de objetos alongados que tenham surgido em solo nacional durante este período, de fato, sejam satélites, as evidências disponíveis mostram que os objetos azuis de aparência cilíndrica são, de fato, satélites da constelação Starlink.