Após mais de três anos de planejamento meticuloso, montagem de hardware, coleta e análise de dados, o Projeto Galileo, sob a liderança de Avi Loeb, publicou os dados de comissionamento do seu primeiro Observatório na Universidade de Harvard. Esse marco, detalhado em um novo artigo coautorado pela Dra. Laura Domine, pós-doutoranda do Projeto Galileo (atualmente em revisão por pares), destaca a abordagem inovadora do projeto à ciência observacional.
O Observatório do Projeto Galileo representa um avanço pioneiro na pesquisa astronômica. Diferentemente dos observatórios tradicionais, que se concentram exclusivamente em objetos celestes distantes e desconsideram fenômenos aéreos próximos, este Observatório utiliza um conjunto inovador de sensores capazes de monitorar todo o céu em tempo real. O sistema captura dados em múltiplos canais — infravermelho, óptico, rádio, magnético e áudio — criando um conjunto de dados observacionais abrangente.
Esse equipamento de ponta registra, essencialmente, um “filme” contínuo do céu. Os dados coletados são processados por algoritmos de aprendizado de máquina projetados especificamente para detectar anomalias entre objetos típicos, como insetos, pássaros, folhas, nuvens, balões, drones, aviões e satélites.
Lançado em 26 de julho de 2021, o Projeto Galileo alcançou progressos notáveis. Mais de dois anos foram dedicados ao design e à montagem do hardware, seguidos por seis meses de calibração dos instrumentos. De janeiro a maio de 2024, o Observatório registrou seus primeiros dados de comissionamento — impressionantes 500 mil objetos. Ao longo do último ano, esses dados passaram por uma análise rigorosa, preparando o caminho para a próxima fase: a criação de dois observatórios adicionais em novos locais. Essas expansões, planejadas para serem concluídas nos próximos seis meses, visam triplicar a taxa de coleta de dados e avançar ainda mais a compreensão do céu.
Um dos destaques dos observatórios projetados exclusivamente pelo Projeto Galileo é o “Dalek”, um avançado conjunto de oito câmeras infravermelhas não refrigeradas montadas em uma plataforma hemisférica. Apesar do nome fazer uma referência divertida aos vilões da série Doctor Who, o visual do equipamento remete mais à icônica cabeça de R2-D2, o querido robô de Star Wars.
O projeto opera em um cenário de crescente reconhecimento oficial sobre fenômenos misteriosos próximos à Terra. Nos últimos anos, autoridades do governo dos EUA, incluindo o Escritório do Diretor de Inteligência Nacional (DNI), liderado por Avril Haines, discutiram abertamente avistamentos intrigantes de objetos não identificados. Esses relatos sobre Fenômenos Aéreos Não Identificados (UAP) motivaram a criação, em 2022, do Escritório de Resolução de Anomalias de Todos os Domínios (AARO). Esta iniciativa, fruto de uma colaboração entre o DNI e o Departamento de Defesa, busca investigar e solucionar essas anomalias.
“Até o momento, o AARO não descobriu nenhuma informação verificável que comprove as alegações de que programas relacionados à posse ou engenharia reversa de materiais extraterrestres tenham existido no passado ou existam atualmente”, declarou o escritório como sua posição oficial sobre as alegações de que tecnologias extraterrestres possam ter sido recuperadas e estudadas pelos Estados Unidos no passado.
Atualmente, há uma escassez de dados científicos disponíveis publicamente sobre Fenômenos Aéreos Não Identificados (UAPs) que exibem características de voo além das capacidades dos objetos conhecidos. Os Observatórios do Projeto Galileo têm como objetivo preencher essa lacuna, oferecendo um conjunto abrangente de sensores multimodais e multiespectrais que monitoram continuamente o céu. Por meio de um censo rigoroso e de longo prazo de todos os fenômenos aéreos, esses observatórios coletam sistematicamente dados sobre UAPs, a fim de identificar qualquer objeto que possa não ser de origem terrestre.
Além de realizar calibrações intrínsecas e térmicas, o “Dalek” passou por um novo processo de calibração extrínseca. O sensor de rádio do Projeto Galileo coletou dados de posição de aviões a partir de sistemas de Vigilância Automática Dependente de Transmissão (ADS-B). Utilizando ferramentas avançadas de aprendizado de máquina, como o modelo de detecção de objetos You Only Look Once (YOLO) e o algoritmo de Rastreamento Simples Online e em Tempo Real (SORT) para análise de trajetórias, a equipe estabeleceu uma linha de base de desempenho. Esse processo rigoroso permitiu a avaliação das capacidades do Observatório GP ao longo de cinco meses de operações de campo, garantindo a coleta e análise precisas de dados para futuras investigações de UAPs.
Usando um conjunto de dados gerado automaticamente a partir de dados ADS-B, juntamente com um conjunto sintético de trajetórias tridimensionais e um conjunto de dados reais rotulados manualmente, a equipe do Projeto Galileo obteve uma taxa de aceitação de 41% para aeronaves equipadas com ADS-B. Essa taxa representa a fração de aviões que passaram dentro do campo de visão efetivo de pelo menos uma câmera e foram registrados com sucesso.
Além disso, a eficiência média de detecção de aeronaves, quadro a quadro — definida como a fração de aviões em quadros individuais que foram detectados com sucesso — foi de 36%. A eficiência de detecção é influenciada por diversos fatores, como as condições climáticas, a distância da aeronave em relação aos sensores e o tamanho do objeto observado.
Durante o período de observação de cinco meses, aproximadamente meio milhão de trajetórias de objetos aéreos foram reconstruídas e analisadas usando um algoritmo de busca de outliers. Cerca de 16% dessas trajetórias foram marcadas como outliers e revisadas manualmente. Das 80.000 trajetórias identificadas como outliers, 144 permaneceram ambíguas, provavelmente correspondendo a objetos comuns que não podem ser identificados de forma conclusiva sem informações de distância.
A contagem de outliers ambíguos, combinada com incertezas sistemáticas, estabelece um limite superior de 18.271 possíveis outliers para todo o período de observação de cinco meses, com um nível de confiança de 95%. Esse limite oferece uma base importante para distinguir fenômenos incomuns de objetos aéreos típicos.
A principal limitação dessa análise de dados de comissionamento está na incapacidade de determinar as distâncias dos objetos monitorados. Para superar essa dificuldade, a equipe do Projeto Galileo planeja implantar várias unidades Dalek em locais diferentes, separados por alguns quilômetros. Isso permitirá a medição das distâncias dos objetos aéreos por meio de triangulação, utilizando diferentes ângulos de observação.
Esse método baseia-se no princípio da visão estereoscópica, o mesmo utilizado pelos seres humanos com seus dois olhos para perceber a profundidade. A visão estereoscópica é uma adaptação favorecida pela seleção natural para avaliar a distância de possíveis ameaças, como predadores. Com essa abordagem, a precisão das medições de distância para os objetos observados no céu será significativamente aprimorada.
Com base nos resultados de comissionamento detalhados no empolgante artigo disponível [aqui], a equipe de pesquisa do Projeto Galileo está agora trabalhando incansavelmente em uma série de artigos de acompanhamento, incluindo uma análise mais aprofundada dos outliers identificados pelo Observatório.
Uma audiência pública no Congresso dos EUA, intitulada “UAP: Expondo a Verdade”, foi transmitida ao vivo às 11h30 ET na quarta-feira, 13 de novembro de 2024 (disponível online [aqui]). Embora tenha sido um evento importante, é essencial lembrar que a expertise dos políticos geralmente está em governo e segurança nacional, e não em assuntos interestelares.
O que está além do nosso Sistema Solar é o foco do trabalho diário e da pesquisa central do Projeto Galileo. Em vez de depender de testemunhos, que frequentemente envolvem informações classificadas, a equipe está comprometida em seguir as evidências fornecidas pelos sensores e compartilhar os dados abertamente com o público. Essa abordagem, fundamentada na prática científica padrão, oferece muito mais insights do que os esforços políticos para divulgar material confidencial de agências governamentais relutantes.
No final, uma resposta mais definitiva à atemporal pergunta de Fermi, “Onde está todo mundo?”, provavelmente virá de cientistas, e não de políticos ou jornalistas.
Os artigos adicionais relacionados ao Projeto Galileo podem ser encontrados [aqui].